Agostinho: Uma teoria do tempo na perspectica cristã
Inegavelmente, é intrigante e enigmática toda espécie de especulação e discussão crítica que enfrente o problema filosófico acerca do tempo. Ainda que exista quem acredite que tal questão, do ponto de vista racional, seja insolúvel; verdadeira é a afirmação de que repetidas vezes ao longo da história da filosofia a especulação sobre a questão do tempo é reapresentada nos certames da filosofia. Sabe-se que os gregos da antiguidade, desde Homero a Aristóteles, principalmente os pensadores que filosofaram no período Helenístico, especularam diferentes noções sobre o tempo.
AGOSTINHO: UMA TEORIA DO TEMPO NA PERSPECTIVA CRISTÃ
Marcos Vinícius Madruga Vaz
Inegavelmente, é intrigante e enigmática toda espécie de especulação e discussão crítica que enfrente o problema filosófico acerca do tempo. Ainda que exista quem acredite que tal questão, do ponto de vista racional, seja sem solúvel; verdadeira é a afirmação de que repetidas vezes ao longo da história da filosofia a especulação sobre a questão do tempo[1] é reapresentada nos certames da filosofia.
Sabe-se que os gregos da antiguidade, desde Homero[2] a Aristóteles[3], principalmente os pensadores que filosofaram no período Helenístico, especularam diferentes noções sobre o tempo. Porém, com o devido destaque, atribui-se a Aristóteles a primeira resposta de natureza metódica ao tema. O problema fora apresentado em seus tratados da Física.
Segundo o professor e pesquisador Rey Puente[4], Aristóteles investigou a essência do tempo e do instante especialmente nos capítulos dez a catorze do quarto livro da Física; obra da qual se dedicou ao estudo dos entes naturais, ou seja, dos entes que possuem em si mesmos o princípio de seu movimento e repouso[5]. Aristóteles relacionou entre si, o tempo e o movimento[6], ao compreender que assim como não se pode colocar a existência de um primeiro movimento, também não se pode dizer que houve um primeiro tempo.
Por dedução, pode-se asseverar que no Estagirita, não é possível ‘perguntar por um último movimento e por um último tempo”[7]. Comumente, acredita-se que esta síntese era a melhor definição[8] sobre o conceito de tempo formulado pelos filósofos da antiguidade.
Porém, um específico capítulo de uma das obras mais conhecidas na história do pensamento ocidental desde a antiguidade tardia, alterou radicalmente a forma como a questão do tempo pode ser filosoficamente investigada.
As Confissões[9] de Santo Agostinho[10], obra esta de caráter iminentemente autobiográfico, escrita em latim entre os anos de 397 d.C. - 401 d.C., apresenta em seu décimo primeiro livro uma pura especulação filosófica sobre o tempo. De acordo com o Dr. Bertrand Russell[11], Santo Agostinho pouco se ocupou de filosofia pura, mas, quando o fez, revelou grande habilidade[12].
A melhor obra puramente filosófica dos escritos de Santo Agostinho é o livro décimo primeiro das Confissões (...) As edições populares das Confissões terminam no Livro X sob alegação de que o que se segue é desinteressante; é desinteressante porque é boa filosofia, e não biografia (...) é, sem dúvida, uma teoria muito hábil, que merece ser seriamente considerada. Eu iria além, e diria que é um grande progresso diante de tudo o que se encontra sobre o assunto na filosofia grega. Contém uma exposição melhor e mais clara do que a de Kant acerca da teoria subjetiva do tempo – uma teoria que, desde Kant, tem sido amplamente aceita entre os filósofos[13].
Agostinho declara que falamos do tempo e mais do tempo, dos tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o "tempo" na boca: "Por quanto tempo falou este homem?" "Quanto tempo demorou a fazer isto?" "Há quanto tempo não vejo aquilo?" "Esta sílaba tem o dobro de tempo daquela sílaba breve." Diz que cotidianamente dizemos e ouvimos semelhantes expressões, assim como os outros compreendem-nos e nós compreendemo-los.
O tempo na visão de Agostinho é algo tanto auto evidente, ordinário, comum; como ao mesmo tempo bastante obscuro e enigmático. Reclama no Livro XI, que pela complexidade do que envolve a especulação sobre o tempo, faz-se necessário elaborar uma nova análise sobre o tema[14].
Fim da parte 1.
O texto completo foi originalmente publicado na Revista Enciclopédia – periódico da UFPel – sob o título "ELEMENTOS SOBRE A TEORIA DO TEMPO DE AGOSTINHO DE HIPONA". Acesse: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Enciclopedia/article/view/9347
[1] Ainda que a pergunta sobre o tempo tenha sido intrinsicamente correlacionada com a questão da eternidade durante o fecundo período medieval (a grande maioria dos filósofos e teólogos medievais, principalmente entre os anos de 1240 e 1340, se detiveram e apresentaram variadas respostas a estas questões); porém, segundo o professor Fernando Eduardo de Barros Rey Puente, no âmbito da reflexão filosófica, “o conceito de tempo, Khrónos, paulatinamente diferenciado dos conceitos de eternidade (aión) e instante (nyn), é pensado fundamentalmente em relação ao movimento (kínesis)”; embora no início do pensamento filosófico isto ocorra apenas de modo implícito (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 31).
[2] Homero (possivelmente, 928 a.C - 898 a.C) foi um poeta épico da Grécia Antiga, ao qual tradicionalmente se atribui a autoria dos poemas épicos Ilíada e Odisseia. A palavra aión, por exemplo, que significa em Homero e Hesíodo “uma duração vital” recebe, nesse momento para alguns desses pensadores aurorais, o sentido mais radical de uma ausência mesma do tempo, logo, daquilo que nós entenderemos posteriormente como sendo a eternidade. (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 31).
[3] Aristóteles, o Estagirita (384 a.C. - 322 a.C.) foi o mais formidável e fecundo filósofo de toda a grécia antiga; aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. Ao lado de Platão e Sócrates, Aristóteles é reconhecido como um dos fundadores da filosofia ocidental. A filosofia de Aristóteles dominou verdadeiramente o pensamento europeu a partir do século XII.
[4] Fernando Eduardo de Barros Rey Puente, possui graduação em Psicologia; graduação e Mestrado em Filosofia, Historia da Arte e Etnologia; Doutorado em Filosofia (Título: “Os sentidos do tempo em Aristóteles”). Atualmente é professor associado da UFMG. É autor da obra “Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga”, publicado em 2010 pela Annablume Editora.
[5] (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 38).
[6] Iniciada por Parmênides, em Platão e Aristóteles parece se completar a cisão entre o tempo e a eternidade (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 31).
[7] Síntese extraída da apresentação do frade, escritor, historiador e editor brasileiro, o gaúcho Rovílio Costa (1934-2009), em sua apresentação à obra “Tempo e Eternidade na Idade Média” – Porto Alegre: EST Edições, 2007.
[8] Segundo Rey Puente, o tempo no Estagirita deve ser sempre pensado em relação ao agora, pois sem o agora não haveria tempo (Phys. IV 11, 219b33-220a1). O tempo, contudo, não deve ser concebido como se fosse constituído de agoras; esses não são partes do tempo, mas apenas os limites do mesmo. De modo que são necessários ao menos dois agoras (Phys. IV 11, 220a14-16), identificados por uma alma capaz de numerá-los um como o anterior e o outro como o posterior, a fim de delimitar um intervalo de tempo. E será precisamente por meio desse intervalo, assumido como uma unidade que a alma humana poderá então qualificar o deslocamento cinético de um corpo móvel qualquer (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 38). Ao final da Física (no livro VIII) e na Metafísica (no livro A), Aristóteles defende, de acordo com o pesquisador Rey Puente, para fundamentar o movimento, a existência de um “Movente Imóvel” que, entretanto – ao contrário do Demiurgo platônico apresentado no Timeu – permanece completamente imaculado por qualquer tipo de movimento, dado que ele não parece atuar como causa eficiente do mundo, mas precipuamente como causa final, e isso em virtude de sua própria existência (PUENTE, Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, p. 39).
[9] Em latim, CONFESSIONUM LIBRI XIII. S. Aurelii Augustini; OPERA OMNIA - editio latina, PL 32.
[10] Aurelius Augustinus Hipponensis (13 de novembro 354 - 28 de Agosto de 430), também conhecido como Santo Agostinho, foi um dos principais teólogos cristão e filósofo da tradição neoplatônica. Seus escritos influenciaram tanto o desenvolvimento do cristianismo como a filosofia ocidental. Agostinho foi bispo de Hippo Regius (atual Annaba, Argélia), localizada na Numídia (província romana no norte da África). O Santo de Hipona é reconhecido como um dos mais importantes Padres da Igreja tanto no Ocidental como no Oriente.
[11] Bertrand Arthur William Russell, (1872 - 1970) foi um filósofo britânico; lógico, matemático, historiador, escritor, crítico social, ativista político e Prémio Nobel.
[12] (RUSSELL, História da Filosofia Ocidental, vol. ii., p. 54).
[13] (RUSSELL, História da Filosofia Ocidental, vol. ii., p. 54-56).
[14] (AGOSTINHO, Confissões, XI, xxii, 28).